sexta-feira, 31 de maio de 2013

Celebrações pagãs

À semelhança de tantos e tantos antropólogos que arriscaram a vida pelas terras selvagens de África e América, eu arrisco diariamente a minha em terras não menos selvagens que são estas da Alemanha.
Tal como tenho vindo aqui a descrever, os nativos são capazes de gritar furiosamente quando um peão passa um sinal vermelho e elogiar a tenacidade dos condutores que o fazem com aparente desprezo pela vida humana. Bebem cerveja na entrada das estações de metro e têm bandeiras de piratas nas janelas, que também podem ser identificadas com um clube de futebol local.
Foi, pois, com algum temor que no outro dia ouvi música na rua. Embora estivesse numa pequena aldeia aparentemente perdida na Saxónia creio que tudo é de se esperar vindo destas gentes.
Com a cautela necessária fui até à janela da casa onde estava e eis que me deparo com uma enorme árvore a ser carregada num tractor pelas ruas da aldeia. A circundá-la ia uma pequena horda de mocidade em idade de fazer coisas mais úteis do que beber cerveja em público. Muitas outras pessoas seguiam o curioso cortejo com máquinas fotográficas enquanto moviam os corpos numa forma também conhecida como dança.
Não escondendo uma certa curiosidade infantil, muni-me dos instrumentos necessários e resolvi ir averiguar com genuíno interesse antropológico esta manifestação de cultura indígena e partilhá-la com os meus conterrâneos e não só.
Junto ao único tasco da terra os jovens envergando trajes curiosos quase capazes de fazer inveja às gentes da Bavária resolveram erguer a árvore entre gritos de Zu... gleich! e pausas estratégicas para a degustação de cerveja. Isto aqui não há Isostar para ninguém! A cerveja representa para estas gentes fonte de vida e inspiração nos momentos mais complicados.
Uma vez erguida a árvore ouviu-se um pouco mais da música local, bebeu-se cerveja e eu afastei-me com o nítido receio de que, mais dia menos dia, me atem uma árvore aqui a casa.
Deixo-vos um singelo vídeo captado em condições complicadas e quase que puseram em risco a minha vida.



domingo, 26 de maio de 2013

As sombras das bibliotecas

Fruto dos anos de trabalho na Biblioteca de Grândola ganhei este vício mesquinho de entrar em tudo o que é biblioteca e deixar-me navegar de forma mais ou menos livre por entre prateleiras repletas de livros. Gosto do cheiro a pó, de ver as capas mais ou menos encarquilhadas revelando o êxito junto dos mais diversos leitores ou o descuido dos mesmos. Gosto de me perder. De me encontrar nas cotas ou quando encontro um nome conhecido.
Foi, pois, com clara expectativa que ontem me abalancei para visita à Biblioteca Central desta Hamburgo chuvosa que me acolhe as ossadas.
Que dizer?
Enorme, claro está.
Sistemas computorizados de requisição de livros. Número quase infinito de requisições.
Discoteca impressionante.
Pautas.
Dois pisos intermináveis inteiramente dedicados à ficção.
Secção bastante considerável de livros nos mais diversos idiomas.
Como se está mesmo a ver, lá me senti eu tentado a ir espreitar as lusas coisas.
Depois de ter lido o conto "Um Monte de Livros no Chão" da Filomena Marona Beja fiquei com um bichinho maroto de ler Saramago. Ou Eça. Ou Camilo. Ou Torga. Ou Cardoso Pires. Perfeito, não?
Os meus olhos começam então a debruçar-se sobre as prateleiras:
Saramago, Mia, Agualusa, Eça, Camilo, Lobo Antunes, Rubem Fonseca e as Cinquenta Sombras de Grey.
Pegando num Saramago e num Mia fugi dali com o coração a bater forte julgando ter tido uma alucinação. Não ousando olhar novamente, parti rumo à parte hispânica a fim de matar mais um pouco desta minha curiosidade.
Manuel Rivas, García Márquez, Galeano, Jaume Cabré, Cela e Cincuenta Sombras de Grey.
Pelo caminho reparei que também havia exemplares em russo e sueco.
Pegando num livro de contos corri dali para fora. Requisitei ainda um livro de alemão pelo caminho e refugiei-me em casa onde, confesso, já tive até pesadelos em que estava a ler as Cinquenta Sombras de Grey de avental à cintura.
Afogo-me então entre Saramago e Indirekte Fragesatz numa verdadeira terapia ao meu subconsciente.
Espero melhoras em breve.


PS- Segundo consegui apurar,

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Roubo germânico

À semelhança do que acontece em todas as outras grandes cidades europeias onde a bicicleta consegue vencer as intempéries diárias tornando-se num transporte comum, também em Hamburgo o roubo de bicicletas é elevado e tremendamente desconsiderado pelas autoridades.
Como é que sei isto?
Nada como viver as situações para de novo garantir a eternidade da "experiência como madre de todas as cousas" como uma frase sábia e actual. Frases destas surgiram por alguma razão. Confesso que ainda não consigo esconder algum desconforto ao chegar a casa e lembrar-me dos restos mortais do cadeado pendurados nas grades do jardim. Assim de duro e cruel porque, ao contrário do típico larápio lisboeta, que demonstra, trabalho após trabalho, merecer o título de Mãozinhas ou Levezinho sendo capaz de desmontar o mais sofisticado cadeado deixando para trás todas as pecinhas que desmontou caso o dono o queira voltar a montar, aqui corta-se os cadeados e já está. Não há cá pão para malucos!
Nada como o pragmatismo germânico, pensei eu enquanto removia o cadáver a fim de contribuir para o bem estar social e não obrigar as crianças do bairro depararem-se com esta bárbara realidade.
Ainda não recuperado deste choque eis que me deparo com a evidência de que me roubam igualmente o jornal. Tendo assinado gratuitamente quatro edições do Zeit (jornal equivalente ao Expresso) a fim de conseguir desenvolver um pouco mais o meu aleijadinho nível de alemão, apercebo-me de que recebi apenas uma e meia. E isto se a revista contar como meia.
Desta feita será um qualquer bondoso vizinho que ao ver a minha caixa de correio tão cheia não hesita em aliviá-la deste fardo. Sempre a contribuir para o bem comum, estes alemães.
Uma vez que me vejo assim privado de desenvolver por completo as minhas capacidades linguísticas sinto vontade de escrever uma pequena nota em bom português e deixá-la na caixa de correio dos meus vizinhos:
A próxima vez que me roubar o jornal, juro que lho emprenho pelas orelhas. Danke.